João Carlos Gonçalves, Juruna: Carta aos jovens sindicalistas

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3 de novembro de 2016

jurunaEstou na atividade sindical há mais de 40 anos. Esta trajetória possibilitou-me uma base mais sólida para que eu me transformasse não apenas em um diretor formal, burocrático, mas em um dirigente sindical e de classe. Aprendi que um trabalhador não se torna um dirigente sindical de uma hora para outra. Um dirigente se forma com experiência, muito trabalho e dedicação. Como as águias, aprende mais rápido quem consegue enxergar longe, e para todos os lados, tanto na vida quanto na política e no movimento social.

Da mesma forma que as experiências de vida ensinam a importância da formação do sindicalista, acho importante transmitir esta ideia aos sindicalistas novos, recém-ingressos nas diretorias ou nas atividades dos sindicatos.

Para isto, buscarei resumir, em alguns itens, ações que considero fundamentais para a transformação de um diretor ou ativista em um autêntico e combativo dirigente de classe.

Pretendo, neste primeiro texto, focar em ações do campo da formação pessoal e da comunicação social. Portanto, além das atitudes normais de um dirigente, como ser sempre solidário, comprometido com os trabalhadores, participar dos movimentos junto com o seu sindicato, não ter medo de falar em público e ser um cidadão exemplar, sugiro:

1 – Manter-se sempre bem informado sobre a situação política, econômica, social e cultural do País. É importante ler diariamente os principais jornais e assistir aos grandes telejornais, a chamada grande imprensa, porque esses veículos possuem uma maior cobertura política e econômica do País e internacional. Por meio deles se pode ficar sabendo o que está acontecendo, e qual o principal debate naquele momento. Além disto, são os grandes jornais que pautam as notícias e conversas nos locais de trabalho.

Mas é fundamental desenvolver uma visão crítica da mídia, buscando detectar quais setores sociais suas notícias e seus pontos de vista representam.

Muitos comentaristas, articulistas e formadores de opinião escrevem ou participam desses jornais. Acompanhar estas colunas ajuda muito a termos uma visão ampla e aprofundada dos fatos. Existem muitas visões interessantes sobre, por exemplo, a PEC 241, a reforma da Previdência, a ocupação das escolas etc.

E, também, ler diariamente mídias alternativas através das redes sociais, que apresentam uma visão diferenciada da grande imprensa e têm crescido de importância diuturnamente em todo o mundo. Hoje, são também elas organizadoras de movimentos e formadoras de opinião, integram e incentivam multidões, o que, no passado, era feito exclusivamente pela grande imprensa.

É importante ser crítico, não ser sectário, ser sensato, aberto ao debate e não ter qualquer constrangimento em mudar de opinião quando estiver convencido.

2 – Conhecer seu sindicato. Geralmente o próprio sindicato guarda em seus arquivos, ou com seus diretores, documentos, jornais, livros e fotos sobre a história da entidade. É legal buscar isso tudo. Sabendo um pouco da história – a história da categoria, em que contexto o sindicato foi fundado, quais as diretorias que já passaram por ele, períodos históricos de maior acirramento, grandes greves e manifestações, qual sua tendência política majoritária etc –, nossa visão sobre o sindicato fica mais apurada, e isto nos oferece mais segurança para nos colocarmos como sindicalistas.

Existem instituições que guardam nossa história, como o Centro de Memória Sindical – que é uma entidade especializada na história dos sindicatos –, ou mesmo grandes arquivos, como o Arquivo Público do Estado de São Paulo. Estudar é condição obrigatória para a formação de um dirigente. Se não há tempo formal no seu dia a dia, organize-se melhor. Sempre é possível participar de debates, lançamentos de livros ou mesmo buscar informações na internet e visitar os sites dessas entidades.

Outra boa forma de conhecer a história é conversando com dirigentes sindicais. Muitos deles estão há muito tempo no movimento. Já passaram por várias situações, como o fim da ditadura militar, o Conclat e o embrião das centrais, a campanha pelas Diretas Já!, a fundação da CUT, da Força Sindical e das demais centrais hoje atuantes no País, além de muitas outras. Saber da história por quem a viveu é um privilégio e sempre rende boas conversas.

3 – Conhecer a história geral e a história das lutas sociais do Brasil e de outros países. Para conhecer a história do sindicato é essencial saber em que contexto ela se desenvolveu. E esta é a deixa para que o sindicalista busque conhecer a história do seu País e de outras nações.

A forma mais eficaz de se conseguir isto é recorrer aos livros. Desta forma, permito-me aqui afirmar que ler é uma atividade obrigatória. Ler sobre a história é um dever daqueles que estão comprometidos com a luta dos trabalhadores, que, claro, estão fazendo a história com sua visão de classe.

Autores como Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré, Edgar Carone, Jorge Ferreira e Elio Gaspari são as indicações prioritárias desta biblioteca básica.

Há também autores especializados no movimento sindical ou no mundo do trabalho, como José Albertino Rodrigues, John French, Paula Beiguelman, Celso Frederico, Leôncio Martins Rodrigues, Heloísa de Souza Martins, Iram Jacome e Ricardo Antunes, entre outros.

Mas também é legal ficar de olho nas entrevistas ou matérias especiais nos jornais. Em geral, os jornais apresentam pesquisas de muito boa qualidade e com formato e linguagem atuais.

4 – Buscar uma cultura geral. A cultura não deve ser vista apenas como lazer e entretenimento. Músicas, filmes, teatros, textos e artes plásticas, entre outras formas de cultura, transmitem informações e ideias com uma linguagem própria. Consumir cultura enriquece o ser humano, aprimora a inteligência, melhora o discurso, ajuda a nos livrarmos de preconceitos, como racismo, machismo, homofobia. Estas manifestações são fundamentais para formar nosso pensamento, nossa subjetividade, e isto é fundamental para que o sindicalista possa compreender a diversidade étnica, cultural, política, sexual, social entre os trabalhadores e nossas famílias.

5 – Redes sociais. Atualmente ninguém, muito menos um dirigente sindical, pode ficar alheio às redes sociais como importante instrumento de diálogo entre os trabalhadores e a sociedade como um todo. Participar do Facebook, do Twitter, do Whatsapp, e consultar a melhor forma de usá-los, pode se transformar em um instrumento poderoso, rápido e eficiente para que você se comunique com sua base e, principalmente, para que você ouça as demandas.

Talvez nem seja necessário dizer tudo isto aos jovens sindicalistas, que já dominam as redes sociais. Mas é importante enfatizar que estes novos instrumentos devam ser usados com seriedade e compromisso com a luta sindical e política. Mesmo em suas contas pessoais o dirigente é visto como alguém que representa o sindicato. Por isto deve-se tomar cuidado para, mesmo mostrando sua personalidade, não ser vulgar ou demonstrar qualquer descompromisso para com a sociedade, seja por meio de preconceitos ou maus exemplos de conduta social. Muitas vezes é ali que um companheiro ou companheira vai buscar sua opinião sobre determinado assunto.

Enfim: muitos de nossos dirigentes não tiveram a chance de prosseguir em suas formações escolares, pois a vida lhes encaminhou ao trabalho. Mas a prática, a análise da prática, o tentar de novo, a leitura complementar à sua ação é o que fará de você um bom e respeitado dirigente, um grande representante do sindicato, da federação, da confederação e da central sindical, um conselheiro do seu município, do Estado, do País, e até, por que não, um parlamentar ou um administrador público, como muitos exemplos positivos que tivemos e continuaremos a ter.

Diretor, seja um dirigente! Os brasileiros precisam conhecer o Brasil!

* João Carlos Gonçalves, Juruna, é o Secretário-geral da Força Sindical

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