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Ministro do TST, Mauricio Godinho

Magistrados: reforma não pode ser aplicada como foi aprovada

Aprovada no Congresso Nacional e sancionada pela Presidência da República, a chamada Reforma Trabalhista ainda não foi discutida pelos tribunais e muitos juristas já dizem que as novas normas não poderão ser aplicadas integralmente

Ministro do TST, Mauricio Godinho

Ministro do TST, Mauricio Godinho

Juízes, desembargadores e ministros da Justiça do Trabalho estão reunidos em Brasília, nesta segunda e terça-feira (9 e 10 de outubro), em evento da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Na abertura da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, ontem (9), ministros do Tribunal Superior do Trabalho, desembargadores, procuradores e auditores fiscais do Trabalho, entre outros, fizeram duras críticas às mudanças nas leis que regem as relações entre patrões e empregados e avisaram: diversos pontos da reforma não se tornarão realidade, pois desrespeitam a Constituição Federal e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Para o ministro do TST Mauricio Godinho, por exemplo, caso a nova lei seja interpretada de maneira literal, a população não terá mais acesso à Justiça do Trabalho no Brasil, o que representaria clara ofensa ao princípio do amplo acesso ao Judiciário estabelecido pela Constituição.

“Faremos a interpretação do diploma jurídico em conformidade com a Constituição. Não houve constituinte no país e não houve processo revolucionário que tenha suplantado a Constituição Federal. A Constituição é a grande matriz que vai iluminar o processo interpretativo da Reforma Trabalhista”, avisou.

O Brasil, lembrou o magistrado, é um 10 países do mundo que mais subscrevem ou ratificam tratados internacionais; segundo ele, são mais de 80. E a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal Federal, ressaltou Godinho, é no sentido de que os acordos com outras nações têm força supralegal e devem ser respeitados como qualquer outra norma jurídica vigente.

Ele listou alguns pontos da nova lei que considera prejudiciais aos trabalhadores. Equiparar a dispensa coletiva a demissões isoladas, disse, é um dos exageros. Na visão do ministro, não há como dizer que demitir uma pessoa é a mesma coisa do que dispensar 4 mil funcionários. “A Constituição e outras normas, como o Código de Processo Civil, tratam com cuidado e zelo à figura do abuso do direito”, argumentou.

As novas regras que disciplinam os contratos com autônomos não poderão valer para todas as situações, afirmou. Deve-se examinar caso a caso: “Se os elementos de relação de emprego estiverem presentes, o indivíduo é empregado e ponto final”.

O trecho do texto que trata do salário e sua composição também deverá ter uma interpretação restritiva, defendeu Godinho. “Como uma gratificação habitual vai deixar de compor o salário? Gratificação dada durante vários anos faz parte do salário por força de princípios da CF e do tratado da Organização Internacional do Trabalho”, frisou.

Vincular o cálculo da indenização por danos morais ao salário é questionável, apontou. Com a terceirização da mão de obra em atividade fim, permitida pela Lei 13.429/17, aprovada pouco antes da reforma, a tendência é que se acabem as categorias profissionais, pois todos serão terceirizados, sustentou. Os três métodos de interpretação das leis, o lógico racional, o sistemático e o teleológico (que relaciona um fato com sua causa final), terão que ser aplicados na análise de processos após a reforma, disse.

O corregedor-geral da Justiça do Trabalho e ministro do TST, Renato de Lacerda Paiva, evitou fazer críticas diretas à reforma, mas reconheceu que é um momento delicado para a advocacia trabalhista no Brasil. “O que ocorre no momento é uma mudança de paradigma conjuntural da sociedade. Mera conjuntura. E acho que temos que ter essa percepção, que já passamos por momentos piores e superamos. E vamos superar esse agora também, que vai passar”, previu.

E o evento é oportuno para se discutir esse novo paradigma que, segundo ele, quem escolheu foi a sociedade. “Que esse debate seja feito em alto nível, com equilíbrio e respeito. Com tranquilidade e sem paixão, para que nós consigamos alcançar resultados que tragam aquilo que sempre fizemos. Nosso papel na sociedade sempre foi o de promover a paz social e a segurança jurídica. Que o resultado desse evento possa ser nessa direção. Vamos dar um testemunho à sociedade do que nós somos”, afirmou.

Aqueles que criticam os profissionais da área trabalhista, disse, o fazem por desconhecimento. “Como corregedor, posso garantir que a Justiça do Trabalho é seríssima e se pauta pela excelência, com raríssimas exceções”, salientou.

O presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, classificou a nova legislação como “altamente polêmica” e admitiu que faz parte da corrente que vê na lei inúmeras “inconstitucionalidades e inconvencionalidades”. Vários pontos da reforma também se chocam com tratados internacionais, que integram o ordenamento jurídico com status de supralegalidade, defendeu. A norma não é o texto, a norma é o que se extrai do texto, explicou.

Ele comemorou a alta adesão de profissionais da área ao evento, que teve mais de 600 inscritos, e disse que o encontro servirá para descortinar um horizonte hermenêutico (filosofia da teoria da interpretação) em relação ao tema. “Negar ao Judiciário a sua independência institucional? E, ao juiz, a sua independência técnica? Em qualquer tema que seja (inclusive na reforma), é fazer claudicar (capengar) o sistema constitucional de freios e contrapesos. É ferir de morte a Democracia. E é, no limite, negar um dos fundamentos da República”, disse.

Garantias individuais respeitadas

Ele criticou as afirmações de que os juízes do Trabalho vão “ignorar” a nova legislação ou que a própria subsistência da Justiça do Trabalho estaria condicionada ao cumprimento da Lei 13.467/17. Não há como saber de antemão como a lei será aplicada, avisou: “Na livre convicção motivada de cada juiz do Trabalho, a partir de 11 de novembro, reside a indelével garantia do cidadão. A garantia de que o seu litígio será concretamente apreciado por um juiz natural, imparcial e tecnicamente apto para, à luz das balizas constitucionais, convencionais e legais, dizer a vontade concreta da lei”.

Para o presidente da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas, Roberto Parahyba, “a reforma foi aprovada de uma forma açodada, com uma urgência irresponsável e desmesurada, em que pretende atacar os alicerces sob os quais se encontram construídos todos os princípios do Direito do Trabalho e do direito social, que são espécie do gênero direitos fundamentais”. O objetivo do encontro, disse, é tentar minimizar ao máximo o impacto da reforma.

 

Por Rose Maria, Assessoria de Imprensa

Fonte: DIAP

Foto: Anamatra

 

 

  • Alexsandro Diniz
  • Secretário de Imprensa e Comunicação Força RJ
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antonio augusto diap

Antônio Queiroz: Ataques ao movimento sindical à vista

antonio augusto diapO movimento sindical precisa se preparar para enfrentar a campanha de desqualificação que as forças conservadoras estão articulando com o propósito de enfraquecê-lo e desmoralizá-lo como força política e também como instrumento de representação legítima da classe trabalhadora.

O propósito de desqualificar o movimento, como força política, é o de neutralizar a capacidade de influência das entidades sindicais no processo eleitoral, especialmente após o fim do financiamento empresarial de campanha, que faz de entidades associativas, com poder de mobilização e liderança sobre determinadas categorias, um ativo fundamental nesse novo contexto político.

Para atingir esse objetivo, vão utilizar a grande imprensa, o Ministério Público e o Congresso. A imprensa será a responsável por publicar denúncias envolvendo entidades e lideranças sindicais. O Ministério Público será acionado para fiscalizar e auditar as entidades, especialmente em relação ao uso dos recursos oriundos da contribuição sindical compulsória. E o Congresso para instalar comissões parlamentares de inquéritos para expor negativamente ou criminalizar a atividade sindical.

Já o questionamento da representação classista tem por objetivo enfraquecer as entidades e suas lideranças, tanto no enfrentamento às mudanças no mundo do trabalho – como a flexibilização da legislação, a terceirização na atividade-fim e a pejotização – quanto nos processos de livre negociação, já sem a prevalência da lei sobre o acordo ou convenção coletiva.

Para reduzir a resistência das entidades sindicais às mudanças na legislação, vão se valer –  além da tática de amedrontar os trabalhadores com o fantasma da crise econômica e do elevado desemprego – de personagens como Ives Gandra Filho, atual presidente do Tribunal Superior do Trabalho, de ministros bem posicionados no governo, como Kátia Abreu, no Ministério da Agricultura, e Armando Monteiro, no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, além da forte bancada empresarial no Congresso.

No caso do TST, a tática passa por mudanças nos enunciados do tribunal, como o que trata da indenização por dano moral. No caso dos ministros, a proposta é pressionar o governo por mudanças nas normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho, sob o fundamento de que dificultam a produtividade e a competitividade das empresas. E no Congresso passa por apresentar projetos de lei mudando a CLT, emendas a medidas provisórias com essa finalidade e projetos de decreto legislativo sustando portarias e normas regulamentadoras que criem obrigação para o empregador.

Portanto, o argumento central para mudança na legislação será de que, na recessão, as empresas só poderão preservar os empregos se liberadas do cumprimento de algumas obrigações trabalhistas. Assim, na lógica traçada, a entidade sindical que não concordar com mudanças que permitam ao trabalhador abrir mão de alguns direitos, ainda que temporariamente, estará indo contra o interesse do empregado, porque forçará a sua demissão.

Em relação às entidades e lideranças, o argumento é de que as entidades arrecadam compulsoriamente de seus representados e não os representam adequadamente, além de desviar recursos para finalidades alheias à defesa do trabalho, como supostamente nepotismo, regalias, super-salários e uso da estrutura para fins políticos eleitorais, entre outros.

As lideranças sindicais, para fazer esse enfrentamento, precisam ter clareza de que as entidades sindicais são uma das principais conquistas do processo civilizatório, de um lado, porque contribuem para distribuir renda de forma pacífica, e, de outro, porque organizam e dão suporte político e associativo aos trabalhadores.

Precisam, igualmente, ter a convicção de que a instituição sindical, como instrumento de defesa dos direitos e interesses da coletividade, em geral, e da classe trabalhadora, em particular, é um dos pilares da democracia e dispõe de uma série de poderes e prerrogativas que a credencia como ator social relevante no cenário político, econômico e social do País.

Entre esses poderes e prerrogativas das entidades sindicais, destacam-se: 1) o poder de estabelecer ação regulatória por via dos instrumentos normativos, 2) a força de restringir ou condicionar a liberdade patronal na contratação e definição de condições de trabalho, 3) a garantia de autotutela do próprio interesse, 4) o reconhecimento de certo poder extra-legal, como os fixados em acordos e convenções coletivas que celebra, os quais têm força de lei, 5) o poder de atuar como substituto processual, e 6) a prerrogativa de ingressar no Supremo Tribunal Federal com ação direta de inconstitucionalidade.

Logo, não podem as lideranças sindicais, em hipótese alguma, prescindir desse instrumento de defesa dos direitos e interesses da classe trabalhadora. A continuidade dessa instituição, entretanto, depende de credibilidade e legitimidade de seus dirigentes, cuja missão é representar, organizar, mobilizar, defender os direitos e interesses e educar o trabalhador para a cidadania.

Assim, para que as forças conservadoras não encontrem eco em seu discurso, é fundamental que as entidades sindicais sempre se pautem por boas práticas no exercício dos poderes e prerrogativas legais e extra-legais inerentes a elas. Essa é a condição para a preservação e fortalecimento dessa conquista importante do processo civilizatório, que é a organização do movimento sindical.

Antônio Augusto de Queiroz

Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar)